A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba
seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A
inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas
criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar
sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo
confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a
alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os
palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias
tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se
pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as
amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo
céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de
folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada
de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores,
e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra
maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão
a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo,
desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros
cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada
mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro
dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes
que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus
sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos;
e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra.
Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume.
E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por
fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a
primavera, dona da vida — e efêmera.Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume
1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág.366x
Horário de funcionamento período da manhã e tarde, de segunda-feira a sexta-feira "UM PAÍS SE FAZ DE HOMENS E LIVROS" Monteiro Lobato
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
OBRAS DE CLARICE LISPECTOR INFANTIS
Quem pensa que galinha só enche o papo com grão está enganado. Em "A Vida Íntima de Laura" (Rocco, 1999), Laura, a protagonista, não é uma heroína, mas tem esposo, filhos e família. Clarice a apresenta como uma personagem sem méritos especiais. Pelo contrário, diz que a galinha é sem graça, apressada e absolutamente comum. Mas tem uma aptidão especial, a de botar ovos.
A composição da "personalidade" da galinha e a "exposição" de sua vida são formas inteligentes de abordar assuntos interessantes para as crianças.
"Esta história só serve para criança que simpatiza com coelho", diz Clarice Lispector logo no início, como se fosse possível não gostar deles.
Ainda mais se for Joãozinho, um coelhinho de pelo branquinho que, com seu estilo caladão, surpreendeu a todos quando "cheirou" uma incrível ideia "tão boa quanto cenoura fresquinha".
Como todo coelho, Joãozinho franzia o nariz muito depressa quando estava cheirando, ou melhor, pensando em algo importante. Um dia uma ideia lhe surgiu à cabeça: fugir da casinhola de grade de ferro sempre que esquecessem sua comida.
A fuga também serviria para curtir a natureza e fazer novas amizades. Foi então que ele franziu e franziu o nariz milhares de vezes até descobrir um modo de escapar.
A estratégia deu tão certo que Joãozinho nunca mais ficou sem cenouras. Mas gostou da liberdade e, mesmo com comida, farejava um jeito de escapar, deixando a garotada da vizinhança encasquetada: como um coelho tão gordo podia passar por grades tão apertadas?
Clarice Lispector tinha um dom especial não só para escrever histórias como também para ouvi-las. E foi justamente seu cãozinho de estimação que veio contar, com muitos latidos que só a dona entendia, o que rolava no quintal do vizinho. Ulisses, que tinha um olhar observador, descobriu que da união entre a inveja e as más companhias só sai fruto ruim. Foi o que ele viu quase acontecer com uma figueira que dividia o fértil terreno perto de sua casa com galos, galinhas, pintinhos e minhocas.
A árvore, revoltada com sua infeliz vida, resolveu pedir a uma nuvem má que passava pelo quintal para aprontar com os bichinhos. Ela não suportava tanta felicidade à sua volta. Só que a figueira jamais imaginou que o feitiço poderia virar --quase de verdade-- contra o feiticeiro.
Clarice mal inicia a trama, e confessa o "crime" que cometeu sem querer: matou dois peixinhos vermelhos sem querer. E para explicar como ocorreu, ela escreve --num ato remissivo-- uma história sobre todos os bichos de estimação que já viveram em sua casa, dos que vieram sem ser convidados e foram ficando, e os que ela escolheu para criar, e que foram muitos: uma lagartixa que comia os mosquitos e mantinha limpa a sua casa, cachorros brincalhões, uma gata curiosa, um miquinho esperto, além de vários coelhos.
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