Quem pensa que galinha só enche o papo com grão está enganado. Em "A Vida Íntima de Laura" (Rocco, 1999), Laura, a protagonista, não é uma heroína, mas tem esposo, filhos e família. Clarice a apresenta como uma personagem sem méritos especiais. Pelo contrário, diz que a galinha é sem graça, apressada e absolutamente comum. Mas tem uma aptidão especial, a de botar ovos.
A composição da "personalidade" da galinha e a "exposição" de sua vida são formas inteligentes de abordar assuntos interessantes para as crianças.
"Esta história só serve para criança que simpatiza com coelho", diz Clarice Lispector logo no início, como se fosse possível não gostar deles.
Ainda mais se for Joãozinho, um coelhinho de pelo branquinho que, com seu estilo caladão, surpreendeu a todos quando "cheirou" uma incrível ideia "tão boa quanto cenoura fresquinha".
Como todo coelho, Joãozinho franzia o nariz muito depressa quando estava cheirando, ou melhor, pensando em algo importante. Um dia uma ideia lhe surgiu à cabeça: fugir da casinhola de grade de ferro sempre que esquecessem sua comida.
A fuga também serviria para curtir a natureza e fazer novas amizades. Foi então que ele franziu e franziu o nariz milhares de vezes até descobrir um modo de escapar.
A estratégia deu tão certo que Joãozinho nunca mais ficou sem cenouras. Mas gostou da liberdade e, mesmo com comida, farejava um jeito de escapar, deixando a garotada da vizinhança encasquetada: como um coelho tão gordo podia passar por grades tão apertadas?
Clarice Lispector tinha um dom especial não só para escrever histórias como também para ouvi-las. E foi justamente seu cãozinho de estimação que veio contar, com muitos latidos que só a dona entendia, o que rolava no quintal do vizinho. Ulisses, que tinha um olhar observador, descobriu que da união entre a inveja e as más companhias só sai fruto ruim. Foi o que ele viu quase acontecer com uma figueira que dividia o fértil terreno perto de sua casa com galos, galinhas, pintinhos e minhocas.
A árvore, revoltada com sua infeliz vida, resolveu pedir a uma nuvem má que passava pelo quintal para aprontar com os bichinhos. Ela não suportava tanta felicidade à sua volta. Só que a figueira jamais imaginou que o feitiço poderia virar --quase de verdade-- contra o feiticeiro.
Clarice mal inicia a trama, e confessa o "crime" que cometeu sem querer: matou dois peixinhos vermelhos sem querer. E para explicar como ocorreu, ela escreve --num ato remissivo-- uma história sobre todos os bichos de estimação que já viveram em sua casa, dos que vieram sem ser convidados e foram ficando, e os que ela escolheu para criar, e que foram muitos: uma lagartixa que comia os mosquitos e mantinha limpa a sua casa, cachorros brincalhões, uma gata curiosa, um miquinho esperto, além de vários coelhos.
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